Carta a um fumante, com "carinho"

08:15:00

Olá meu caro amigo
(já que você me trata dessa forma, vou me referir a você chamando-o de amigo também)

Estamos juntos há tanto tempo né? Até parece que foi ontem que nos conhecemos. Não me lembro ao certo quem me apresentou pra você. Não sei se foi um amigo, familiar ou se foi só a sua curiosidade mesmo. Desde então viramos parceiros inseparáveis. Não há um só dia que eu não esteja na sua rotina. Você mal acorda e já chama por mim e ao longo do dia continua da mesma forma. Nos vimos na hora do café, antes do almoço, depois do almoço, no jantar e às vezes até de madrugada. Estive com você naqueles dias de festa, de riso fácil e roda de amigos, e estive também naqueles dias de dor, perda, luto e tristeza. Nunca lhe disse sequer uma palavra, nunca segurei suas lágrimas, nunca segurei sua mão, nunca lhe levantei do chão. Mas estava ali. O que você não sabe, é que essa minha companhia tem um preço altíssimo (além do que você já paga por mim), mas parece que estar comigo já lhe basta, como se não precisasse de mais nada e nem ninguém além de mim. Sei que você já perdeu a companhia de algumas pessoas por minha causa, já deixou de ir a alguns lugares que não me aceitam e inclusive não pratica exercício físico porque lhe deixo muito cansado e ofegante. Pois bem, isso é só o começo. Cada vez que você me chama é um pontinho a mais no risco de você ter um câncer de boca, laringe, faringe, pulmão e outros tantos. Cada vez que você me chama eu vou corroendo um pouquinho do seu corpo. Cada vez que nos encontramos eu gasto também o seu tempo que podia estar sendo usado pra estar com seus filhos, netos, pais e amigos. Ah, sem falar no meu cheiro, que é insuportável pra quem não está comigo. Parece que eu lhe deixo calmo e alivio seu estresse. Ah meu amigo, se você soubesse tudo que acontece com seu corpo desde que nos conhecemos, garanto que buscaria outras formas de se livrar dos seus problemas, afinal, eu não sou capaz de resolver sequer um deles, apenas faço parecer que eles não existem, por alguns instantes é claro. Faço tudo isso pra que você não me esqueça nunca. Meu efeito dura pouquíssimo tempo pra que possamos estar juntos sempre. Já descobriu quem sou certamente... Sim, eu sou o cigarro. Sou aquele que você não larga, sou aquele que vive no seu bolso, nas suas mãos e na sua boca. Sou o que há de mais importante na sua vida, afinal, nem com seus filhos você passa tanto tempo. E ai, quer continuar mais quanto tempo comigo? Não esqueça que eu sou incapaz de ir até você e a decisão de não me procurar mais precisa ser sua. Somente sua. Continuarei nos supermercados, nos bares e até no bolso de alguns dos seus amigos, mas eu não irei lhe procurar, então, decida-se. Agora eu preciso ir, e só pra deixar claro, eu não sou seu amigo, aliás, se você tem amigos como eu deveria repensar as suas amizades. Eu não trago sequer um benefício pra sua vida, tudo que vem de mim é momentâneo e passageiro. Vai continuar me chamando? Vai continuar trocando a sua saúde por mim? Vai continuar perdendo o seu precioso tempo comigo? A decisão é somente sua.
Tchau, até breve, ou quem sabe, até nunca mais.



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Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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