Por onde andam os "sumidos"

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Ele sorriu, balançou a cabeça e disse que estava tudo bem. Era a resposta pra uma dessas perguntas que se faz quase por obrigação, seguida de um até logo. Estava acostumado a dar sempre as mesmas respostas, estava acostumado a esconder-se por trás de sorrisos. Muitos o procuravam para contar suas mazelas, chorar as decepções, pedir ajuda. E ele estava sempre disponível, sempre tinha uma palavra, um ombro e um abraço consolador. Poucos sabiam que ele também tinha as suas dores, seus questionamentos, suas feridas ainda não cicatrizadas. Poucos sabiam que era o travesseiro que conhecia aquelas lágrimas, tantas vezes trancadas e escondidas por trás de um riso frouxo. Ele também tinha dores, também tinha momentos de profunda solidão e tristeza, também precisava contar sobre seus medos e suas expectativas frustradas. Mas, ocupava-se cuidando dos outros e com isso por vezes, esquecia-se de si próprio. Andava de cabeça erguida, passos firmes e confiança de quem sabia para onde estava indo. E talvez soubesse mesmo, mas o que ele não sabia era sobre si. Não sabia seus limites, não conhecia seus medos, ignorava suas fragilidades. Entendia muito de como ajudar os outros, mas não sabia pedir ajuda. Era capaz de ouvir por horas a fio as histórias de outrem, mas nunca permitia-se ser escutado. Secava as lágrimas dos que lhe rodeavam mas nunca ninguém sequer o viu chorar. Tinha sempre palavras de carinho e consolo para os demais, mas nada contava sobre sua própria história. Um dia sentiu-se cansado, sem ânimo, sem vontade sequer de levantar da cama. Naquele dia não conseguiu ser bom ouvinte, não proferiu palavras de consolo, não ouviu as histórias ao redor... Caminhou devagar por aquelas ruas que tantas vezes ouviram suas risadas, mas já não tinha passos firmes, trazia em seus ombros um fardo pesado demais, fardo que carregou por todo esse tempo sozinho. O tempo foi passando e não ouviu-se mais falar dele. Uns dizem que ele se mudou, outros que adoeceu e outros que apenas isolou-se. Mas ele continua lá, esperando por ouvidos que lhe ouçam, por colos que o acolham, por mãos que o ajudem a levantar, por palavras que lhe encorajem a continuar. Ele não está dando conta sozinho, mas também não aprendeu a pedir ajuda. Sabe aquele seu amigo "sumido", sabe aquele familiar que nunca mais se ouviu falar dele, sabe aquele colega de trabalho que anda calado e cabisbaixo? Pois é, é bem provável que eles estejam precisando de ajuda, de colo, de ombro, de apoio e de presenças. Chama que ilumina os outros um dia também pode precisar de calor de outras chamas, também pode precisar ser acesa, caso se apague, também precisará ser vista e olhada. Assim, cuidemos das nossas chamas, mas não esqueçamos que se não estamos mais vendo e nem ouvindo falar de alguém, é porque sua chama pode ter se apagado... E chama apagada não consegue se acender sozinha...

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Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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