Tem alguém aqui!

06:50:00

Ela tinha muitos sonhos... Ela queria ter uma casa, queria ter um bom emprego, queria viajar o mundo. E aos poucos ela foi conseguindo tudo isso. Se tornou independente, foi morar sozinha, escolheu seu rumo, mudou o que a deixava descontente, conheceu alguns lugares do mundo, experimentou novas sensações, fez mais um punhado de amigos. Andava pisando firme, tinha sempre resposta e explicações pra tudo, ninguém a via chorar ou pedir ajuda, e quando questionada sobre sua vida já tinha uma resposta pronta e clichê. Horário pra acordar, pra tomar café, pra pentear o cabelo... Três frutas durante o dia, um carboidrato e uma proteína por refeição, quatro litros de água, uma hora de exercício diário. Trezentas mil regras e uma palavra que definiria tudo isso: necessidade de controlar a si própria, aos outros e ao mundo. Já que ela não podia e nem conseguia controlar tudo isso, ela construiu um mundo só dela e foi morar nele. Alguns chamam de armadura, ela dava outros nomes pra isso. A armadura era ótima, bastava um movimento e ela já fechava até a única fresta com a qual ela fazia contato com o mundo. Não tinha grandes sofrimentos, nem grandes mágoas... Por outro lado também não tinha nada surpreendente, avassalador, humano. No início ela colocava e tirava de vez enquanto, até o dia que se deu conta que já estava grudada, pra não dizer enferrujada. Foi preciso então que jogassem pedra nessa armadura e que alguém lá do lado de fora gritasse em alto e bom tom: ei, tem alguém ai? Tinha alguém ali sim. Tinha alguém que já não podia mais com aquele peso, alguém que já estava grande demais para aquele espaço tão pequeno. Ela queria conhecer o mundo lá fora, mas tinha medo. Medo de cair, medo de se machucar, medo de tentar, medo de fracassar, medo de desagradar, medo de decepcionar...E tinha medo de ser feliz pra sempre. Ela foi perdendo a doçura, a leveza, a autenticidade, as gargalhadas despreocupadas, o sorriso... Ela se desconectou do seu lado humano quando fez do seu mundo apenas uma sequência de regras a serem cumpridas. E ela sabia fazer isso muito bem, foi ótima cumpridora de regras a vida inteira. Um dia ela abriu um pouco os olhos e enxergou uma luz, começou a ouvir ruídos, ficou curiosa pra saber o que as pessoas que viviam lá fora faziam, sentiu cheiros e viu cores diferentes. Finalmente ela descobriu que havia um mundo além do seu. Um mundo cheio de humanos, com defeitos e limitações, mas um mundo onde é possível descobrir e vivenciar sentimentos, emoções, dores e amores. Se ela já saiu da armadura? Saiu pra escrever esse texto, e me contou que já deu uma vontade enorme de voltar correndo pro seu mundinho. Me contou também que ouviu muito barulho aqui fora, que está tudo meio bagunçado, que as coisas fugiram do seu controle, que está meio perdida. Ufa, ela descobriu-se humana. Agora nós já podemos ajudá-la. Agora ela já pediu ajuda. Agora EU aceito ajuda!

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4 comentários

  1. Pq tem que ser tão perfeito?
    Me vi em todas as linhas e em todas as letrinhas! Obrigada por colocar pra fora o que eu sinto aqui dentro!!
    Amiga gemelar!! Espelho!!

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    1. Ah amiga, estamos juntas né?
      Obrigada por me permitir ser quem eu sou e continuar do meu lado, mesmo com as nossas armaduras se esbarrando hahaha.
      Univitelinas de certeza :)

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  2. Não são as únicas, nem no círculo feminino, nem no masculino. Só se sente o prazer de andar na chuva os que vencem o medo do resfriado
    Não chegue na ponta do trampolim e olhe pra baixo.
    Venha correndo e pule
    Se quiser companhia, é só avisar

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    1. E essa cena do trampolim aconteceu de verdade e me veio um milhão de lembranças agora. Esse é o segredo, não olhar para baixo... Estou tentando, as vezes haha.
      Unknown - Apresente-se

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Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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