Ela conhecia aquele cheiro

04:23:00


Ela andava distraída, subia as escadas às pressas, não tinha paciência de esperar pelo elevador que demoraria a chegar. Seus pés pararam, seu corpo perdeu o equilíbrio. Era o perfume dele, impossível não reconhecer aquele cheiro que por muito tempo lhe arrancou sorrisos. Levantou a cabeça atônita, olhou para os lados, abaixou-se para observar quem estaria passando por ali. Não havia ninguém, a escada estava vazia, tão vazia quanto ficou sua vida depois que ele decidiu partir. Haveria ele passado por ali? Era mesmo o seu cheiro? Outras pessoas também usavam aquele perfume? Talvez ela nunca teria essas respostas... Nem essas, nem aquelas que, cansada de tanto indagar, desistiu de perguntar. Ela não sabe porque ele se foi, não sabe o que houve com o pra sempre que findou, não sabe o que o deixou em silêncio naquele dia que fizeram as pazes, não sabe se um dia houve amor ou se houve, por qual  razão deixou de existir. Por uma fração de segundos foi como se tudo ao seu redor se congelasse. Vieram as memórias dos doces momentos, dos domingos de filme e pipoca, dos verões na praia, das pescarias no final da tarde, dos sábados de compras no shopping, dos sonhos compartilhados, dos medos superados. Era como se ali na sua frente ele lhe sorrisse, segurasse a sua mãe e lhe dissesse: "calma meu amor, foi só um pesadelo, eu estou aqui com você". Ela não sabe por quanto tempo ficou ali naquele estado de sonho/imaginação, mas ela sabe que sentiu um aperto no peito, uma vontade de chorar e sair correndo dali. O cheiro falava de um passado que não existe mais, de um amor que não sobreviveu, de sonhos que murcharam, de planos que escorreram por entre os dedos. Onde ele estaria nesse momento? Seu cheiro ainda seria aquele? Mais perguntas sem respostas... Mais interrogações do que afirmações. Quando ela deu por si, estava ali parada, no meio da escada, atordoada. Voltou a caminhar por aqueles degraus que tinham sido testemunhas desse momento de nostalgia. Não olhou pra trás, não quis mais saber se ele ainda estava por ali. Era preciso subir. E ela subiu. Subiu decidida a esquecer as perguntas, subiu como quem não tem mais interesse de saber quem ficou lá embaixo. Se ela ainda lembra do perfume dele? Talvez sim. Mas este ela prefere não voltar a sentir. Ficou pra trás, ficou lá embaixo... E a escada ela não pretende mais descer não.

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Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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