A menina que ela foi um dia

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Ela era a menina de cabelos pretos, lisos, com franjinha na testa. Era aquela que gostava de andar com os pés no chão, mas a cabeça vivia sempre nas nuvens. Gostava da rua, de mato, de grama, areia e lama. Tinha medo de trovoadas, de altura, de bichos peçonhentos e de pessoas brabas. Cantava quando ia pra escola de bicicleta, gostava de subir em árvore e comer ameixa bem amarelinha. Vivia rodeada de amigos mas quando se chateava, levava a bola pra casa. Queria ser atriz, cantora, jornalista, professora, médica. Ela não gostava de brigar, preferia ir pra casa chorando do que discutir com alguém. Falava pelos cotovelos e pelos mais quietinhos, tinha criatividade de sobra pra inventar brincadeiras. Ela era boa aluna, sentava na primeira carteira, não tirava notas abaixo da média, fazia sempre os deveres e nunca atrasou a entrega de um trabalho. Tinha uma casinha de bonecas, mas ela sonhava mesmo era em ter uma casinha na árvore. Ela tinha riso frouxo, covinhas na bochecha e alegria no olhar. A menina vivia o hoje, não negava e nem escondia as suas emoções, não adiava o que queria fazer agora. Aquela menina ainda vive, mesmo com o calendário insistindo em dizer que muito tempo já se passou. Ela continua gostando das coisas simples, continua com riso frouxo e continua preferindo chorar do que brigar. Ela não tem uma casinha na árvore, mas ah, ela ama viver nas alturas. A menina cresceu, foi ver o mundo lá fora, quis dar passos largos, quis olhar o mundo lá de cima. Mas ela sabe pra onde e quando voltar, sabe onde estão suas origens, sabe onde o coração tem repouso e colo pra ficar. Ela sabe bem pouco da vida mas ela prefere assim, viver mais e teorizar menos, sentir mais e discutir menos. A menina que vivia com os pés no chão continua sendo a adulta que quando pode está sempre sem sapato, mas que aprendeu que pra viver certos momentos os pés precisam desgrudar do solo. Ela ainda gosta de mato, grama, areia e lama, e ainda tem medo de trovoadas. A menina cresceu, mas a essência não se perdeu. Não se perdeu o brilho nos olhos, não se perdeu a curiosidade de viver coisas novas,não se perdeu o amor pela natureza. E o mais importante é que ela ainda acredita que as pessoas são legais, que o mundo é um lugar bonito pra se viver, que quem erra tem a chance de fazer de novo e acertar, que todo mundo merece uma segunda chance, que o mal existe mas que a força do bem é três vezes maior e que adultos são crianças que cresceram mas não deixaram de sonhar. O cabelo mudou, a sua essência não.

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Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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