Histórias de um pássaro encantado

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"Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. (..) A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
 Tenho de ir  dizia.
 Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades 
 dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar." (Rubem Alves)


Rubem Alves entendia das sutilezas da vida, Rubem Alves entendia de alegria do reencontro. Amamos as histórias do pássaro encantado... Mas como é difícil lidar com os seus vôos! Deixar que o outro voe é dar-lhe a possibilidade de ir quando e pra onde quiser... Deixar que o outro voe é saber lidar com a nossa insegurança por pensar que pode ser que ele não volte. Mas é preciso deixar voar. Pássaros aprisionados não cantam bonito, pássaros aprisionados não tem histórias pra contar. Assim somos nós em nossas vidas e principalmente em nossos relacionamentos. Temos medo da separação e comumente não sabemos lidar com o tempo do outro. Atropelamos, passamos por cima e ansiosos por respostas, forçamos situações antes do tempo. Aquecer um casulo esperando que ele se transforme em borboleta antes do tempo é, além de inútil, fatal. E quantas vezes, movidos pela nossa ansiedade, ficamos ali querendo ver logo o vôo da borboleta. A velocidade da internet nos trouxe a possibilidade de comunicação rápida e imediata, mas fico me questionando até que ponto estamos sabendo lidar com isso. Esperamos que o outro esteja disponível 24h por dia e ai dele se estiver online e não nos responder. Saber esperar e respeitar o tempo do outro é um exercício diário que todos nós deveríamos praticar. Parei pra refletir sobre às vezes que respondi imediatamente alguém e estava totalmente sem vontade. E também sobre as vezes que li a conversa e decidi responder outra hora com mais calma. Das duas opções, na segunda foi sempre a que respondi e refleti de verdade. Bonito é quando o outro nos olha demorado. Bonito é quando o outro nos escuta demorado. E isso só é possível quando respeitamos o tempo e o espaço do outro. Vamos viver a nossa própria vida, vamos construir os nossos próprios sonhos e vamos permitir que o outro venha quando e se quiser. E assim, quando ele vier, virá com as penas coloridas, virá com a alegria dos lugares pelos quais passou, e sobretudo, virá porque sentiu saudade. 


"Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…Ah! Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama… E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro."
 



P.S.: Para esclarecer: O que está escrito entre aspas são palavras de Rubem Alves, neste caso, o início e o final do texto.

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"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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