Ele decidiu viver

10:36:00

Domingo foi dia de corrida e de mais uma vez levar um desses tapas na cara da vida. Acordar 5:30h, preparar aquele café-da-manhã pré-prova, chegar com antecedência, encontrar o pessoal da equipe, sentir aquela energia que só quem participa conhece, correr com aquele visual de tirar o fôlego, terminar a prova e sentir aquela sensação de dever cumprido. Até ai nada diferente do que costumava vivenciar nas provas... Mas, estava eu e uma amiga na fila da massagem, quando um senhorzinho na nossa frente se vira pra trás e começa a conversar. "Sabe, essa é a minha primeira prova nessa distância." Obviamente eu imaginei que na melhor das hipóteses ele diria que correu seus 10km. Não, ele tinha corrido 21km no alto dos seus 70 e tantos anos. Fiquei ainda mais surpresa por saber que ele estava correndo pela primeira vez tal distância, porque no mundo das corridas volta e meia a gente encontra idosos correndo, mas em geral foram pessoas que tiveram uma vida ligada ao esporte, e não assim, primeira meia maratona com 70 e tantos anos. Não contente ele completa dizendo: "E eu estou com câncer no pulmão, que nem tratamento tem mais minha filha." Engoli em seco aquelas palavras, ele virou pra frente e eu e minha amiga continuamos o papo como se nada tivesse acontecido ali. Mas aconteceu, aliás, continua acontecendo. Meia dúzia de palavras foram suficientes pra eu revisar a minha vida... E desde então aquela imagem e aquelas palavras não saem da minha cabeça. Ele tinha motivos de sobra pra estar em casa, xingando, resmungando, reclamando... Ele tinha motivos de sobra pra ainda nem ter saído da cama. Mas não, ele preferiu estar ali, preferiu desafiar seu corpo já debilitado, preferiu arriscar, tentar, viver. Ele sabe do seu diagnóstico, sabe que a sua vida caminha para o fim, mas ele decidiu não desperdiçar o tempo que ainda tem. E nós que vivemos reclamando da temperatura, da enxaqueca, da falta de dinheiro, da nota ruim na prova, do engarrafamento, da receita que não deu certo? E nós que achamos difícil tirar uma hora do dia pra praticar um exercício físico? E nós que achamos um absurdo manter a reeducação alimentar? E nós que achamos que é muito sacrifício manter uma rotina de vida saudável? Ah meu caro, deve ter sido difícil pra ele receber o diagnóstico de câncer e mais difícil ainda saber que não teria mais cura. Mas ele seguiu em frente e estava lá, animado, de short, tênis e regata correndo as 7 da manhã. Ele decidiu viver. E pra nós, o que falta para decidirmos que queremos viver, que queremos realizar um sonho antigo, que queremos abandonar aquela relação sufocante, que queremos conhecer um país distante, que queremos começar um novo projeto? Falta o diagnóstico de uma doença terminal? Eu espero que não! Você também pode cruzar a linha de chegada, mas pra isso precisará levantar, cruzar a linha de partida e ir (correr, viajar, realizar, amar, voar, mergulhar...)

Você pode gostar também:

0 comentários

Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

Mais lidos