As fugas nossas de cada dia

06:22:00

        
              A vontade vinha sempre depois de ser contrariada ou de ter levado uma bronca daquelas, sei que eu juntava meia duzia de roupas, enrolava numa trouxa e dizia decidida: vou fugir de casa! É óbvio que o mais próximo que cheguei disso foi atravessar a porta e voltar correndo com medo de que a mãe não me aceitasse mais de volta. Fugir parece sempre uma decisão boba de quem é incapaz de resolver seus problemas e acredita que fugindo haverá de solucioná-los. Na maioria dos casos é isso mesmo, mas confesso que pra muitas situações, a fuga ainda é importante.
         Você foi amiga de verdade, estendeu a mão quando ela precisou, ficou horas tentando acalmá-la ao telefone, saiu da sua casa para socorrê-la naqueles dias de perrengue, emprestou seu ombro, sua jaqueta e seus ouvidos. Você tentou de todas as formas reatar aquela amizade, se fez presente, ligou, tentou marcar algo, se preocupou... Do lado de lá nenhuma reciprocidade. Finalmente você cansou e também decidiu partir daquele terreno onde você já estava morando sozinha. Claro que você levou as boas lembranças, os momentos compartilhados, as risadas que deram juntas... Mas foi preciso fugir. Você olhou pra trás com tristeza, demorou pra aceitar que aquela amizade já não existia mais... E se foi. 
              E ai você ficou meses empurrando aquele relacionamento com a barriga, fingindo que estava tudo bem, que era só uma fase e tudo voltaria ao normal. Era qualquer coisa, menos amor. Ele se foi mas você continuou morando ali. Telefone sempre a mão na esperança de que uma ligação fizesse as coisas voltarem a ser como antes. Ele foi viver a vida dele, sequer olhou pra trás, sequer quis saber como você ficaria. Os dias foram passando e nada dele voltar. Até que você decide arrumar as trouxas dele que ainda viviam em você e jogá-las fora, assim como ele fez com tudo que vocês tinham vivido. Ai você pega o seu amor próprio, sua capacidade de viver sozinha e foge.
               É preciso fugir quando estamos inteiros e do outro lado só metades, fugir quando o esforço é só unilateral, fugir quando as forças já se esgotaram e a nós só resta juntar as nossas coisinhas e partir. Fugir nem sempre é covardia, às vezes é a única coisa que nos resta perante a todas as possibilidades que foram se esgotando a cada dia. 
           Do que você precisa fugir hoje? De uma amizade desgastada? De um amor não correspondido? De um emprego que lhe deixa infeliz? Fuja quando quiser e volte quando  e caso se arrepender. A vida é isso mesmo, essa infinidade de começos, términos e recomeços.

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Quem sou

"Sou menina levada, princesa de rua, sou criança crescida com contas para pagar. E mesmo pequena, não deixo de crescer. Trabalho igual gente grande, fico séria, traço metas. Mas quando chega a hora do recreio, aí vou eu...
Beijo escondido, faço bico, faço manha, tomo sorvete no pote, choro quando dói, choro quando não dói. Quer me entender? Não precisa."


Fernanda Mello

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